O Sentido da Vida
 

 
  
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 POESIA E SENTIDO DA VIDA

POEMAS SOBRE A VIDA
 O Sentido da Vida

Fernando Pessoa - Poema existencialista
Emile Brontë - Poema lírico
São Francisco de Assis- Poema religioso
Shakespeare - Monólogo de Hamlet
Exemplos de reflexões poéticas sobre a vida 



TABACARIA
Fernando Pessoa
Poemas sobre a vida e o seu sentido

Tabacaria, de Fernando Pessoa, é indubitavelmente um dos mais extraordinários poemas do século XX. Ele é característico da poesia de Pessoa, da sua componente filosófica, do questionamento que ele faz da vida e do seu sentido.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(…)

Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordámos e ele é opaco, 
Levantámo-nos e ele é alheio, 
Saímos de casa e ele é a terra inteira, 
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(…)

Come chocolates, pequena; 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Fernando Pessoa, 1888-1935, poeta português, Tabacaria

Poema completo

Comentário
Poesia e filosofia


Ver também:
O sentido da vida
A vida é sonho
Ciência e sentido da vida
Filosofias de vida
A brevidade da vida
A vida é sofrimento
 


A VIDA
Poema lírico-juvenil
Emile Brontë

A vida, acredita, não é um sonho
Tão negro quanto os sábios dizem ser.
Frequentemente uma manhã cinzenta
Prenuncia uma tarde agradável e soalhenta.

Às vezes há nuvens sombrias
Mas é apenas em certos dias;
Se a chuvada faz as rosas florir
Ó porquê lamentar e não sorrir?

Rapidamente, alegremente
As soalhentas horas da vida vão passando
Agradecidamente, animadamente
Goza-as enquanto vão voando.

E quando por vezes a Morte aparece
E consigo o que de Melhor temos desaparece?
E quando a dor se aprofunda
E a esperança vencida se afunda?

Oh, mesmo então a esperança há-de renascer,
Inconquistável, sem nunca morrer.
Alegre com a sua asa dourada
Suficientemente forte para nos fazer sentir bem
Corajosamente, sem medo de nada
Enfrenta o dia do julgamento que vem.
Porque gloriosamente, vitoriosamente
Pode a coragem o desespero vencer.
Emile Bronte, 1818-48, escritora inglês, Life


Comentário
Poesia e filosofia


Ver também:
O Amor e a Vida
A Amizade e a Vida
Filosofias de vida
Felicidade

  


CÂNTICO AO IRMÃO SOL
Poema lírico-religioso
São Francisco de Assis
 

Louvado sejas, meu Senhor
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o nosso Irmão Sol,
Que nos traz o dia
E a luz que nos aquece
Ele que é belo e radiante
No seu grande esplendor
E de ti, Altíssimo, é a imagem.
S. Francisco de Assis, 1181-1226, Hino ao Irmão Sol

Poema completo

Ver também:
O Amor e a Vida
Filosofias de Vida
Felicidade

Morte
Vida após a Morte
 
 




Shakespeare
monólogo de hamlet

Quem tais fardos suportaria
Preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante
A não pelo medo de algo depois da morte
Esse país desconhecido de cujos campos
Nenhum viajante retornou, e que nos baralha a vontade
E nos faz suportar os males que temos
Em vez de voar para o que não conhecemos?


Monólogo completo

Ver também:
Vida pós morte
Morte
A vida tem sentido?
A vida é sonho
A brevidade da vida
A vida é sofrimento


Comentário
Poesia e filosofia

 

Reflexões poéticas sobre a vida, a sua essência e os seus sentidos

A prosa pode envolver poesia – por via de uma linguagem cuidada, assente em imagens, falando à nossa sensibilidade. E os exemplos abaixo são demonstrativos disso mesmo.

Da escuridão chegámos, para a escuridão vamos.
H. Rider Haggard, 1856-1925, escritor inglês, King Solomon’s Mines

A vida é nada, a vida é tudo. É a mão com que seguramos a morte. É o pirilampo que brilha na noite e que desaparece na manhã; é o respirar branco da gazela no Inverno; é a pequena sombra que corre sobre a erva e se perde ao pôr-do-sol.
H. Rider Haggard, 1856-1925, escritor inglês, King Solomon’s Mines

A vida? Gotas de luar
Gotas caídas
De gerânios a abanar.
K. Dogen, 1200-1253, líder espiritual budista japonês, citado por C. Sagan em Billions and Billions.


Pobre, intrincada alma! Enigmática, perplexa, labiríntica alma humana!
John Donne, 1572-1631, poeta inglês, Sermons. 


Pequena alma errante, hóspede e companheira do corpo, para onde irás tu agora, pálida, rígida e nua, sem poderes brincar como dantes?
Adriano, 76-138, imperador romano, versos escritos pouco antes de morrer, citados em D. Boorstin, Os Criadores


De fora da escuridão viemos, para a escuridão vamos…
H. Rider Haggard, 1856-1925, escritor inglês, King Solomon’s Mines


Abençoado seja o que inventou o sono, a manta que cobre todos os pensamentos humanos, o alimento que satisfaz a fome, a bebida que apazigua a sede, o fogo que aquece o frio, o frio que modera o calor, e, finalmente, a moeda corrente que compra todas as coisas, e a balança e os pesos que igualizam o pastor e o rei, o ignorante e o sábio.
M. Cervantes, 1547-1616, escritor espanhol, Dom Quixote 


Os dias dos seres humanos são como a erva: como a flor do campo assim florescem, mas mal o vento sopra, logo deixam de existir, e o seu lugar não mais conhecem.
Bíblia, Salmos 103


Espero passar por este mundo apenas uma vez; por isso, qualquer bem que eu possa fazer, qualquer acto de bondade que possa mostrar para com as criaturas minhas irmãs, quero realizá-los imediatamente. Não quero adiar ou esquecer, porque não percorrerei mais este caminho.
Atribuído frequentemente a Stephen Grellet, 1733-1855,   missionário francês


Irmãos humanos que depois de nós viveis:
Contra nós um coração duro não useis.
Tende sim piedade de nós
Para que também Deus tenha misericórdia de vós.
François Villon, século XII, poeta francês, Ballade des pendus


Comentário
Poesia e filosofia
 
Ver também:
Pensamento Existencial
A vida é sonho

Filosofias de vida
Felicidade


 




Versões completas
 

Fernando Pessoa
TABACARIA

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.

(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, para o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.

(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)

Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.

Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.

Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.

Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.

Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.

Fernando Pessoa, 1888-1935, poeta português


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Shakespeare
monólogo de hamlet

Ser ou não ser, eis a questão.
O que é mais nobre? Sofrer na alma
As flechas da fortuna ultrajante
Ou pegar em armas contra um mar de dores
Pondo-lhes um fim? Morrer, dormir
Nada mais; e por via do sono pôr ponto final
Aos males do coração e aos mil acidentes naturais
De que a carne é herdeira, num desenlace
Devotadamente desejado. Morrer! Dormir; dormir
Dormir, sonhar talvez: mas aqui está o ponto de interrogação;
Porque no sono da morte, que sonhos podem assaltar-nos
Uma vez fora da confusão da vida?
É isso que nos obriga a reflectir: é esse respeito
Que nos faz suportar por tanto tempo uma vida de agruras.
Pois quem suportaria as chicotadas e o escárnio do tempo
As injustiças do opressor, as afrontas dos orgulhosos,
A tortura do amor desprezado, as demoras da lei,
A insolência do oficial e os pontapés
Que o paciente mérito recebe do incompetente
Quando o próprio poderia gozar da quietude
Dada pela ponta de um punhal? Quem tais fardos suportaria
Preferindo gemer e suar sob o peso de uma vida fatigante
A não pelo medo de algo depois da morte
Esse país desconhecido de cujos campos
Nenhum viajante retornou, e que nos baralha a vontade
E nos faz suportar os males que temos
Em vez de voar para o que não conhecemos?
Assim a consciência nos faz a todos cobardes
E assim as cores nascentes da resolução
Empalidecem perante o frouxo clarão do pensamento
E os planos de grande alcance e actualidade
Por via desta perspectiva mudam de sentido
E saem do reino da acção.

William Shakespeare, 1564-1616, poeta e dramaturgo inglês, Hamlet


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Saint Francis of Assisi
cântico ao irmão sol

Hino ao Irmão Sol
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor
Teus são o louvor, a glória, a honra
E toda a benção
Só a ti, Altíssimo, são devidos.
E todo o homem é indigno
De pronunciar o Teu nome.
Louvado sejas, meu Senhor
Com todas as tuas criaturas,
Especialmente o senhor Irmão Sol,
Que nos traz o dia
E a luz que nos aquece
Ele que é belo e radiante
No seu grande esplendor
E de ti, Altíssimo, é a imagem.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pela Irmã Lua e as Estrelas,
Que no céu formaste
Preciosas e belas.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo irmão Vento,
Pelo ar, e nuvens e tempestades
E todo o tempo
Com que às tuas criaturas dás sustento.
Louvado sejas, meu Senhor
Pela Irmã Água,
Tão útil e humilde
E preciosa e casta.
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelo Irmão Fogo
Com que aqueces a noite,
Ele que é belo e agradável
E vigoroso e forte.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa irmã a Mãe Terra,
Que nos sustenta e governa
E produz frutos diversos
E flores coloridas e plantas
Louvado sejas, meu Senhor,
Pelos que perdoam por te amarem
E suportam enfermidades e tribulações.
Felizes, os que sofrem em paz,
E que por Ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, meu Senhor,
Por nossa Irmã Morte Corporal,
Da qual homem algum pode escapar.
Ai dos que morrem em pecado mortal
E bem-aventurados os que ela acha
Conformes à tua santíssima vontade,
Porque a segunda morte não lhes fará mal!
Louvai e bendizei ao meu Senhor,
E dai-lhe graças,
E servi-o com grande humildade.

S. Francisco de Assis, 1181-1226, Cântico ao Irmão Sol


 

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POESIA E FILOSOFIA




Acima:
Fernando Pessoa, autor de Tabacaria e vulto maior da poesia do século XX.


Comentário
Poesia e filosofia


A poesia – na sua forma própria, ou em prosa – encerra frequentemente um conteúdo existencialista e filosófico. Há muita poesia glosando a vida, as suas alegrias, o fado, o destino, o nosso lugar no universo, a ilusão, a sem-razão da dor ou a crueldade da vida. Os temas específicos podem variar, mas cantar ou chorar, de forma filosófica, o sentido da vida faz parte do reportório de dezenas de grandes escritores.

Que é que Cervantes fez, quando escreveu:

«Abençoado seja o que inventou o sono, a manta que cobre todos os pensamentos humanos, o alimento que satisfaz a fome, a bebida que apazigua a sede, o fogo que aquece o frio, o frio que modera o calor, e, finalmente, a moeda corrente que compra todas as coisas, e a balança e os pesos que igualizam o pastor e o rei, o ignorante e o sábio.»

Não será isso filosofia existencial, tanto quanto poesia?

O que é que o imperador Adriano fez nas vésperas da morte, ao escrever o seu epitáfio:

«Pequena alma errante, hóspede e companheira do corpo, para onde irás tu agora, pálida, rígida e nua, sem poderes brincar como dantes?»

E como classificar grande parte versos bíblicos do Eclesiastes, por exemplo?

Como classificar versos como:

«Goza da vida com a mulher que amas, durante todos os dias da fugaz existência que Deus te concede debaixo do Sol.
Essa é a tua parte de vida, entre os trabalhos a que estás condenado.
Tudo o que a tua mão possa fazer, fá-lo intensamente,
pois na região dos mortos, para onde irás,
não há trabalho nem inteligência, não há ciência nem sabedoria»?

Eles são obviamente filosofia, tanto quanto poesia. Eles são poesia existencialista, e filosofia existencialista. Não são necessários tratados, nem linguagem hermética, para se fazer filosofia.

E um exemplo maior disso mesmo é Fernando Pessoa. Poemas como a Tabacaria não são apenas exemplos sublimes e maiores do génio poético do homem. Eles são igualmente exemplos maiores do filosofar existencialista. Grande parte da poesia de Pessoa é também filosofia.

Oiçamo-lo: 
«Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama; 
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio.» 

Trata-se, obviamente, de filosofia. Mesmo que ele a rejeita, e diz:
«E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos. 
Sigo o fumo como uma rota própria, 
E gozo, num momento sensitivo e competente, 
A libertação de todas as especulações 
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.»

 Ou quando diz:
«Come chocolates, pequena; 
Come chocolates! 
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.»

Objectar-se-á: mas não será muito repetitiva a temática filosófica de Pessoa, e todos os exemplos citados acima? Não será que a poesia existencialista se limita, muitas vezes, a transmitir questões filosóficas sem profundidade, demasiado banais? Será que se pode fazer filosofia, no sentido mais exigente do termo, por via da poesia?

Que dizer, por exemplo, de um poema sobre o sentido da vida, como o Life de Charlotte Brontë, citado atrás. Nele, muito simplesmente, canta-se a esperança juvenil, defende-se em verso as «soalhentas horas da vida», e «agradecidamente, animadamente», pede-se que as gozemos «enquanto elas vão voando».

Serão eles também filosofia?

A minha resposta é sim. Num campo filosófico como o do sentido da vida, a poesia e a literatura podem ser formas maiores de filosofar. Compreender a vida, dar-lhe um sentido ou não, depende fundamentalmente dos nossos sentimentos, e não tanto da nossa razão.

A profundidade filosófica, neste caso, é indesligável da beleza, da forma, da arte, e não depende estreitamente do pensamento abstracto. Associa-se à alegria e à tristeza, à forma como traduzimos e nos dirigimos à nossa sensibilidade, e acordamos ou evocamos sentimentos e formas específicas de ver e sentir. A novidade e a profundidade, neste caso, estão aí - nas formulações capazes de nos emocionar, de tocar a nossa alma.


 

 

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